Em tempos de Carnaval, a capital paranaense, famosa por seu carnaval tímido, mostra para muitos que o maior festejo popular brasileiro, resiste, persiste e realiza seu carnaval, aqui na terra das quatro estações que ocorrem num dia só. Já no primeiro mês do ano, vários blocos foram para a rua e a cada ano ganha mais adeptos. Os clubes realizam seus bailes, lojas penduram fantasias em suas portas, máscaras de gorilas, adereço para cabelo e cabeça, percebe-se que o carnaval está chegando. A alegria está no ar.
Eleição do Cortejo Real
No último dia 25, aconteceu o concurso da rainha e rei do Carnaval. Mas a cidade dos pinheirais honrou sua fama, sol e calor durante o dia, mas quando o relógio passava das 19h00, um vento gelado tomou conta da noite, baixando a temperatura de 27 graus para apenas 16 graus. Mas o calor da emoção aqueceu a noite fria da eleição. De repente chega um furação de alegria, Marcia Aparecida dos Santos, 52 anos, conhecida como Marcinha. São seis anos como rainha do carnaval de Curitiba e sete vezes princesa. Desta vez não veio concorrer e sim ajudar duas candidatas a arrumar-se para a prova. Trouxe as fantasias para as garotas, uma vez que as roupas não são baratas. Mãe de sete filhos, avó de oito netos, fala que o segredo de uma rainha são o carisma e a alegria e lógico, muito samba no pé. Essa eterna rainha nasceu em Maringá, trabalhou na lavoura de cana de açúcar, algodão e café; mora em Curitiba há 23 anos e sempre foi apaixonada pelo Carnaval. Detalhe: estava mais nervosa que as meninas candidatas ao título.
Rosangela Alexo Gonçalves, 27, auxiliar de cozinha, estava participando pela segunda vez do concurso. Em 2015 ganhou como rainha. Natural de Ivaiporã, veio para Curitiba com o pai aos nove, mas aos 10 foi para em um orfanato. Lá ficou até completar 17 anos. “Sambar é como cozinhar, se você não gosta, não sai nada bom”, diz a candidata, referindo-se ao seu trabalho. Sua fantasia é Faisão Branco e custa R$ 9 mil e pesa 12 quilos. Já Rosi Princess, 33, cantora, bailarina e compositora, está participando pela primeira vez. A curitibana diz: “Amo o samba”. Sua fantasia é São Jorge, custou R$ 4,7 mil e pesa 9,5 quilos.
Durante 2 horas, oito candidatas se arrumam no teatro Londrina, localizando no Memorial de Curitiba. Às 21h00 chega uma candidata, atrasada e nervosa, todos tentam acalmá-la, mas o esforço é em vão, porque seu nome foi sorteado para entrar primeiro. O desespero toma conta, o cabelo não para, a roupa não fica correta, então desiste e sai entre lágrimas.
Rubens Marques, 39, encarregado de segurança, candidato à Rei Momo, é o participante a ficar pronto primeiro. Natural de São Paulo capital mora em Curitiba há 18 anos, veio atrás de trabalho, conseguiu, ficou. Não é integrante de nenhuma escola de samba, mas comenta: “Tá no sangue o carnaval”. Sua fantasia custou R$ 650,00.
As oito candidatas à rainha e os três candidatos a rei Momo sambaram embalados pela bateria da escola de samba Mocidade Azul. A torcida não era tão numerosa, mas os aplausos e gritos eram gigantescos, fazendo com que os olhos dos candidatos ao dançar brilhassem como pedras preciosas. Cada um fazia o seu melhor desejando o título desde ano de 2018.
Dançando com uma fantasia de 10 quilos, toda em pedraria e plumas, Renata Rosa, 21, estudante, nascida em Colombo, região metropolitana de Curitiba, mostrou que tem muito samba no pé, ganhou o título de Rainha, pela segunda vez e Marques, ganhou seu quarto título como Rei Momo.
Ensaio
Desde janeiro os ensaios das escolas de samba de Curitiba foram abertos para a comunidade. Algumas cobraram um valor simbólico, já outras desejam a alegria como pagamento. Quando se fala do Carnaval fora do eixo Rio-São Paulo, acredita-se que os que fazem a festa por aqui, não são nascidos na terra do pinhão, mas, ao contrário, 90% dos componentes são filhos das terras da erva mate.
No último ensaio geral da escola Acadêmicos da Realeza, o sol resolver esquentar o domingo de verão – por aqui bem raro. Os integrantes da escola tiveram como quadra de samba o memorável prédio do Clube do Vasco, carinhosamente conhecido como Vasquinho. Ao entrar na “quadra” da escola já se nota a energia no ar. As bandeiras juninas misturam-se harmoniosamente com as batucadas do samba.
Nas laterais do salão de dança as pessoas, dançam, cantam e bebem. As crianças juntam confete e serpentina do chão, jogam novamente para cima e assim vão curtindo seu carnaval. Alguns dançam mais tímidos, outros parecem não se importar, dançam de olhos fechados e cantam com o coração a música tocada pela bateria. Jovens garotas procuram o melhor ângulo da Realeza para fazerem selfies.
Sentada em uma mesa com as bochechas rosadas pelo calor de dançar, cabelo curto cacheado, está Wandira Dantas Wanderley, 78, aposentada. Nascida em Pernambuco, mora em Curitiba há 60 anos. Dona Wanda como gosta de ser chamada, desfila no carnaval há oito anos. Por causa de um problema de saúde, seu médico lhe deu dois anos de vida, isso há 3 anos, todo ano se despede da família, viaja para ver os irmão em São Paulo e acredita que é seu último carnaval. Mas, por enquanto vai ficando por aqui, segue pulando seu carnaval com muita alegria. “Carnaval é vida”, fala Wanda, ainda frisa: “Nosso Carnaval de Curitiba é o melhor”. Existe tanta energia de viver em Wanda que este ano vai desfilar duas vezes na noite, a primeira no bloco Rancho das Flores e na escola Acadêmicos da Realeza.
A bateria faz o coração bater juntamente no mesmo compasso do repique e do surdo. Passistas curitibanas, que têm em suas veias sangue italiano, ucraniano e polonês, sambam lindamente, não deixando nada a desejar. Os olhos atentos dos coordenadores são como radares, não deixam passar nenhum erro.
Após quatro horas de ensaio o presidente da escola assume o microfone. São passadas informações sobre entregas de fantasias, horários para a concentração na avenida, conselho sobre bebidas. Agradece a todos, fala sobre o trabalho de cada um e pede uma oração, as mãos se encontram, independente de religião e todos oram pelo trabalho realizado ao longo de todos os meses e pelo desfile que virá.
Noite de desfile
Curitiba não podia deixar de honrar sua fama em pleno sábado de carnaval, 10. Com um clima agradável do verão, os desfiles iniciam às 19h30. Mas às 22h00 uma fina garoa começou a desfilar dos céus de São Pedro. A alegria maior foi dos ambulantes que venderam capas de chuva e guarda chuvas. E lógico que alguns curitibanos natos não deixaram de vir com a tradicional japona para assistir o desfile, porque aqui o clima sempre pode mudar, né. Mas o público de 30 mil pessoas não se deixou desanimar. Permaneceram. Depois de uma hora a chuva parou.
Na concentração as pessoas vão chegando e procurando o ponto de encontro da sua escola. Coordenadores seguem a lista de nomes e separando as fantasias. Alguns chegam de repente e pedem para desfilar, conseguem. Os integrantes que chegam antes ficam prontos à espera da sua hora. Outros chegam atrasados e vestem-se às pressas com ajuda de colegas.
Famílias inteiras desfilam. Rodrigo Dolinski, 35, reparador técnico, morador de Ponta Grossa, viajou 100 km com um grupo de 19 pessoas – dentre elas, sua esposa, quatro tias e primas – só para desfilar na escola de samba. Na realidade Dolinski veio dar uma “forcinha”, para a escola. Ele e mais um rapaz empurram um carro alegórico 600 quilos. “Estou feliz por estar aqui com minha família. Carnaval é alegria, é tradição”, diz. Ressalta ainda: “É uma pena que algumas pessoas não sabem brincar no Carnaval, bebendo e brigando”. Os filhos não vieram, mas estavam em casa acordados apesar do horário, 2h30 da madrugada. “Mando fotos de tudo aqui para eles, ficam malucos com tanta coisa.”
O anúncio da entrada da escola é uma alegria total na concentração. O mestre de cerimônia, fala alto e em bom tom: “Beleza, beleza, alegria, alegria. Muito samba e muita folia”. Todos ficam ansiosos e em silêncio por alguns instantes. Entram com calma e quando são banhados pelas luzes dos holofotes, todos saem do anonimato e viram estrelas. Ao sentirem o som, a canção invade suas almas, a batucada os faz enlouquecer, quem não tem muito samba no pé, samba com os dedos, outros pulam.
O desfile termina. As arquibancadas vão se esvaziando e o centro da cidade é tomando pelo silêncio.
Apuração
No dia seguinte ao desfile, o resultado da escola campeão seria divulgado. O Memorial de Curitiba recebeu os integrantes das escolas. Como é feito no Rio de Janeiro, as notas dos jurados chegaram lacradas e foram abertas. Cada escola formou uma roda para acompanhar as notas. A cada nota 10, gritos de alegria, notas baixas eram recebidas com indignação. O cenário era de ansiedade, preocupação, sorrisos tensos, olhares distantes, celulares conectados, unhas sendo roídas, abraços, choro.
Solange Aparecida Latzke, 51, cobradora de ônibus, está na escola de samba Leões da Mocidade desde sua fundação em 2007. Começou como baiana e atualmente coordena a ala. “Sempre tive o sonho de desfilar em uma escola de samba”, comenta. Os olhos brilham ao relembrar a primeira vez que pisou na avenida para desfilar, “Chorei porque estava realizando um sonho, meu coração bateu de verdade”, fala orgulhosa. Tatuado o brasão da escola ao lado do coração, mostra que não existe mais uma vida normal sem o carnaval. Hoje dia do resultado, Latzke, sua frio, tem dores no estômago. Trocou com um colega o dia de trabalho para poder acompanhar o resultado.
O título de campeã ficou com a escola Mocidade Azul, que estava com um público tímido de somente 15 pessoas. Mas na hora de comemorar vibraram por muitos.
Já a escola Enamorada do Samba foi campeã do grupo de acesso e os gritos ecoaram pelo Memorial.
Entre gritos de alegrias e lágrimas de tristeza, termina-se mais um carnaval em Curitiba. Festa esta que conta com muito trabalho, obstinação, dedicação e muito amor ao samba, por isso acontece, porque sem amor nada sobrevive.