Marília Campos
do projeto Repórter do Futuro
A palha da taboa se transforma em bolsas estruturadas nas mãos de Ana Lúcia dos Santos, artesã sergipana que se dedica à atividade há pelo menos 15 anos. Ao lado de Maria José, percorre o Brasil na divulgação do trabalho originado em Santana dos Frades, assentamento da cidade litorânea de Pacatuba (SE). Ambas se reconhecem parentes e, em São Paulo, as parceiras estiveram pela segunda vez na Feira Nacional da Reforma Agrária, ocorrida no mês de maio. O evento representa oportunidade de geração de renda, em média R$ 3 mil, para famílias como as de Ana Lúcia e Maria José, que vivem dos produtos do campo e artesanato.
A artesã explica que o processo de produção das peças dura cerca de 15 dias, já que a palha provém de uma planta aquática e é necessário que o material esteja devidamente seco. O trabalho é determinado às mulheres da comunidade, que costumam incentivar também as novas gerações no negócio. Contudo, Ana Lúcia diz que os mais jovens almejam outros rumos. Com um filho já vivendo em Belo Horizonte (MG), a sergipana acredita que o maior fomento ao turismo do município nordestino ajudaria a despertar nos mais novos o encanto pela arte local. “Tem pessoas que se interessam ainda, mas antes era muito mais gente. Hoje a maioria desiste e vai para outras cidades. Não vejo movimento para o turismo, por isso participamos das feiras. O papel de manter a tradição fica mesmo para as mulheres, e os homens na roça”.
De acordo com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), atualmente não há nenhuma parceria vigente com o Ministério Turismo com foco na exposição e comercialização dos produtos. Em contrapartida, nos governos anteriores, famílias artesãs da agricultura familiar e da reforma agrária foram convidadas a participar dos Salões do Turismo- Roteiros do Brasil, promovidos pela pasta.
Por meio do artesanato, Santana dos Frades é representada nas localidades em que o trabalho é exposto, apoiado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Cada evento é uma nova chance de gerar renda extra para as famílias que sobrevivem da plantação de milho, feijão, macaxeira, batata doce e abacaxi. Além dos produtos derivados do amendoim, como bolos e doces, e a atividade relacionada ao mangue e a pesca. O assentamento sergipano resulta de um período de lutas, anterior ao nascimento de Ana Lúcia. “Hoje em dia está muito tranquilo, mas lembro das histórias. O povo conta da briga que era, com gente deitada em frente às máquinas para evitar que tomassem o espaço”.
OCUPAÇÃO
Já Maria Renovato, do assentamento 3 de Sumaré, relembra o processo de conquista do terreno- um dos primeiros do Estado paulista, na região do horto, dominado pela plantação de eucalipto e cana-de-açúcar. A artesã vive há 30 anos na área que abriga três assentamentos, sendo o terceiro proveniente da fusão de terras agregadas durante a estruturação das duas primeiras ocupações. “No início do acampamento, o pessoal saiu para tentar outro local, mas o grupo voltou e hoje temos uma cooperativa”. Na época, 1984, a mulher e o marido ainda namoravam.
O casal constitui uma das cerca de 70 famílias do assentamento 3, que participam da cooperativa de entrega de produtos às feiras e supermercados. Do cultivo da banana, surge também a palha e a fibra do pé do fruto que são a matéria-prima para cestos e suportes de vidro. Segundo Maria, os objetos são feitos em parceria com a filha e uma sobrinha. “Dependendo do mês e da produção, o dinheiro agrega bastante em casa”.
RENDA
A Feira Nacional da Reforma Agrária, assim como outras mostras e bazares estaduais que eventualmente acontecem, gera grandes expectativas para os assentados. De acordo com Rosemeire Pereira, a média de arrecadação nos eventos de maior repercussão chega a R$ 3 mil. A artesã comercializa peças de argila, produzidas há 20 anos pela própria família moradora do assentamento Maju, no recôncavo baiano. “Meu esposo extrai a argila e monta os bolos. A gente faz todo o processo de amassar com os pés e as mãos, para depois moldar. As oportunidades de venda são de grande importância econômica, mas não acontecem todos os meses”, explica.
A comunidade de Rosemeire faz parte do grupo de territórios modelo que receberam a agroindústria, viabilizada por meio do Incra. O projeto visa a prática de novas técnicas de produção com foco comercial. Para a artesã, a novidade representa uma experiência positiva. “A industrialização está chegando, acho que todos podem viver e interagir juntos”.
PARCERIA
A paraense Rosilene Cereja Ferreira tem uma renda média de R$ 900. Viúva, mãe de seis filhos e universitária, a arrecadação da artesã também chega aos quatro dígitos durante os eventos apoiados pelo MST. A chefe da família vive no assentamento 1º de Março, em São João de Araguaia (PA) e há 12 anos integra a Associação de Mulheres Organizadas em Reforma Agrária (Amora). Durante o período, aprendeu o ofício de bio jóias. “É um trabalho coletivo para contribuir na educação dos filhos”. Além de confeccionar as peças, feitas de sementes, a mulher ainda planta e se dedica ao último ano de Sociologia, cursado na Unifesspa, em Marabá (PA).
O assentamento 1º de Março conta com 260 famílias que se dedicam à atividade socioeconômica sustentável. Carlicelda Araújo Coelho é assentada no território há 21 anos e também integra a Amora. “A associação surgiu há 15 anos da necessidade da gente contribuir dentro de casa, com o marido e os filhos. Muitas de nós somos sozinhas, não tem marido”, destacou. “Para mim, é praticamente meu sustento. A gente tem o Bolsa Escola, depois começamos a horta e agora, com o artesanato, melhorou”. O Incra também articula a ação do Crédito Fomento Mulher, que propõe a implantação de projetos produtivos, como o artesanato, em lotes em que a mulher é titular.
A professora Elisângela Pereira Guedes, do assentamento 17 de abril, em Eldorado dos Carajás (PA) ressalta a educação recebida por meio do movimento de apoio. “Os jovens fazem cursos oferecidos pelo MST. No meu assentamento, tem dois formados em medicina. Um foi para Cuba e outro para a Venezuela. Retornaram e um deles trabalha em Goiânia, enquanto o outro ainda está na terra, vendo os processos do ‘Mais Médicos’”.
A assentada Sebastiana da Silva Oliveira Carvalho, do território de Alcides Jurandir, no mesmo município paraense, acredita que o segredo para a vida em comunidade está na parceria dentro do lar. “A maioria das mulheres trabalha em casa, trabalha na roça com esposo em época de plantação, e ainda faz artesanato. É muito bom poder ajudar o outro. Na hora em que a gente fica junto, para construir uma família, é para contribuir com o outro”.