No ritmo da comunidade

Cecília Meireles e o Baile da Comunidade têm muito em comum. A poetisa brasileira nomeia a rua onde aconteceram dois “Bailes da Comunidade”, no bairro Vila Marta, em Almirante Tamandaré, região metropolitana de Curitiba.

A singela vila com nome forte – Marta – tem em suas ruas outros grandes escritores, como Olavo Bilac, Fernando Pessoa, Machado de Assis e Vinícius de Moraes, cada um expressando seus poemas conforme seu tempo.

No coração da Vila Marta, está a pequena rua Cecília Meireles, onde pulsaram os poemas de MCs, durante o Baile da Comunidade. Os festejos não aconteceram somente para animar as noites de sábado, mas para arrecadar alimentos e brinquedos para dividir com os integrantes que estão desempregados e não tem condição de comprar. Comunidade vivendo em comunidade.

Como a melhor vista da rua, em uma espécie de “camarote”, os MCs se concentram antes do show na laje da distribuidora Vitória, casa de um dos responsáveis pelo evento. Lá cantam, fazem repente, riem entre uma cerveja e outra, contam histórias, e antes de descer, fazem uma selfie para marcar a noite. Todos são jovens com sonhos de uma vida melhor.

Na festa não havia limite de idade, afinal a maioria estava na rua de casa. Famílias inteiras, mães, pais, filhos, avós, tios, primos. Todos dançam os funks de sucesso – principalmente Baile de Favela – colocados pelos Djs, até a hora mais esperada, o show. Os MCs iniciam suas apresentações saudando os presentes e agradecem a Deus. A plateia anima-se ainda mais, dando gritos e assobios. O final da rua Cecília Meireles começa a ecoar os versos do funk, falando de discriminação, amor, trabalho, traição, paixão, prazer. A rua torna-se uma pista de dança, tendo como luz, os tons amarelados dos postes de iluminação e a neblina como gelo seco.

O show começa depois da meia-noite. Os MCs apresentam-se um por vez no palco improvisado com muito zelo na garagem da distribuidora. Os adolescentes, em maioria, filmam as apresentações com celulares, cantam com seu MC favorito e fazem selfies. Alguns MCs podem ser anônimos socialmente, mas na comunidade são referência de fama por meio de vídeos do Youtube.

A rua está cheia. Todos dançam e cantam aos versos do funk. As crianças maiores correm sem parar no ritmo das músicas, que ficam com seus rostos rosados, refrescando-se com copos de uma boa gasosa curitibana. Os menores são embalados nos braços de seus pais, irmãos e avós no compasso do pancadão. Adolescentes ficam na paquera, garotas de um lado, rapazes de outro, misturando-se aos poucos.

E assim vai rolando o baile até às 4h. Já o segundo foi apenas até meia-noite, por motivos de forças maiores de autoridade, que mandaram encerrar a festa e todos para casa. E como é periferia, era melhor obedecer. As luzes se apagaram, o som foi tomando pelo silencio da noite e a rua ficando apenas com as sombras dos postes.

Talvez uma frase do poema de Cecília Meireles tenha tudo a ver com o Baile da Comunidade na Vila Marta. “Eu canto porque o instante existe, e a minha vida está completa. Não sou alegre, nem sou triste, sou poeta.”