Resolvi passar o Carnaval em terras uruguaias junto com minha namorada. A ideia era conhecermos melhor esse pequeno país esmagado entre o gigantismo de Brasil e Argentina, mas com tanta história para contar.
Para não esticar muito, podemos apenas focar no futebol e lembrar que: o Uruguai foi o primeiro país-sede de uma Copa do Mundo e o primeiro a ganhar. Tomamos um baile em 1950 no famoso e trágico Maracanazzo. Há ainda a Celeste Olímpica com o bicampeonato nos anos 20.
Buscamos um jogo por lá. O Centenário estava fechado por causa do show do Rolling Stones. Logo, os gigantes Peñarol e Nacional não estariam na capital. Começamos então e procurar e achamos: Fênix e Sudamerica, no Parque Capurro, sábado a tarde.
O ônibus 124 saindo do centro de Montevidéu nos deixou a duas quadras da entrada do estádio. E ai veio a surpresa: esqueça tudo que você tem na cabeça sobre arenas, padrão Fifa, futebol moderno, século XXI.
- Foto: Pedro Chavedar/EverydayMogi
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Em cima de um pequeno morro, o Parque Capurro não lembra em nada o atual momento do futebol mundial.
Um muro pequeno e totalmente grafitado com mensagens políticas; arames farpados impossibilitavam os saltos para dentro da cancha; meia dúzia de policiais demonstravam a pequena vontade em estar ali; nem 20 torcedores zanzavam pelas duas portas que davam acesso às arquibancadas.
Os ingressos eram comprados por pequenas janelas. Lá dentro, senhores tomando mate e jogando conversa fora eram os bilheteiros. Cada entrada custava 280 pesos uruguaios (cerca de 35 reais). Compramos para o setor do mandante, o Fênix.
Da porta para dentro, a surpresa foi completa.
Não parecíamos que estávamos dentro de um estádio que receberia um jogo da primeira divisão do campeonato uruguaio.
O clima era, completamente, de várzea e do século passado.
Uma pequena casinha, logo de cara, estampava um grande logo do Fênix. E era ali, com a cara na entrada do estádio, que os jogadores se trocavam e entravam em campo. Nada de acesso com pulseira VIP ou credencial para a diretoria. Os torcedores estavam a uma parede de seus ídolos.
Interessante também que, logo na entrada, dezenas de fotos da equipe estavam expostas em uma das grandes da arquibancada.
Descobri depois que elas estavam a venda e eram feitas por um fotógrafo que sempre vai aos jogos do Fênix.
As arquibancadas eram de cimento e se misturavam com o mato. Senhores conversaram e tomavam mate, enquanto o sistema de som do estádio divulgava informações, como o de uma importadora de vidros brasileira. Ou ainda mensagens de cunho político, como a de um sindicato que reivindicava o fim do aumento das taxas de luz.
Tirando a fantástica cancha, não podemos deixar de lado os torcedores.
Do lado direito da laje da imprensa, se concentravam os torcedores mais velhos e as famílias. Senhores de camisa social e mate na mão lembravam do passado do clube. Ali era predominante o cabelo branco e os sapatos de couro.
Senhoras de óculos e roupas de dona de casa e crianças com camisetas de Suárez (tanto do Barcelona quanto da Celeste) também preenchiam os espaços da arquibancadas.
Merece destaque ainda o bar do estádio. Nada demais do que um quadrado de dois por dois em cima do morro e que era comandado por três mulheres. Havia água, refrigerante e cachorro quente (bebidas alcoólicas não são permitidas).
O negócio é tão informal que, quando fomos pagar, a atendente não tinha troco. “Depois vocês me pagam. Podem ir” me disse, com um sorriso no rosto e uma confiança absurda de que eu voltaria. E claro que voltei.
Naquele pequeno balcão, um senhor pegou seu copo e ergueu para mim em cima de brinde. Retribui. “America? America?” me perguntou, achando que eu era um norte-americano. “No, no. Brasil” disse. Não mais que depressa, um sorriso saiu de sua cara e um samba começou em seus pés.
Acosta tem 81 anos, é uruguaio e ama futebol. Perguntei quem era o melhor jogador do mundo. “Suárez!!” exclamou. Perguntei se era realmente ele. Acosta olhou para um lado, para o outro e sussurrou: “No, es Messi” e riu. Perguntei o motivo de não poder falar alto aquilo. “Messi es argentino” e riu de novo.
De bengala em punho e uma dificuldade grande para abrir as mãos, Acosta se lembrou com emoção do Maracanazzo e contou que foi receber a seleção uruguaia no aeroporto em 1950.
Acosta arrumou sua boina, pediu auxílio para subir as escadas e se dirigiu para as cadeiras da tribuna.
No canto esquerdo , as hinchadas hasteavam suas tradicionais bandeiras e começavam a se mobilizar.
Dentre eles, estava Chorko, um torcedor do Fênix que tinha sua própriahincha há dois anos. “Por aqui, não podemos trazer bandeira, nem nada. Só essas” comentou o torcedor que também reclamou dos preços dos ingressos.“Por isso que está vazio. Esse valor é muito alto para nós”.
Quando disse que era corintiano, Chorko lembrou de um jogo do Fênix contra o Corinthians em 2003. “Foi em outro estádio. Não nesse” disse.
Não esquecemos de que haveria um jogo ali.
Fênix e Sudamerica entraram separados, cada um por um canto (sem aquela entrada triunfal da Fifa com os times perfilados e música clássica), mas prontamente aplaudidos por ambas as torcidas.
Nada de mãos dadas, também. Os jogadores entraram correndo e bufando. Alguns traziam crianças, mas que também não eram padronizadas.
Houve um minuto de aplausos pela morte de alguém e o som do estádio esbravejou que o jogo começaria.
Com cinco minutos de jogo, choque entre o goleiro e o atacante. Pânico no gramado. Todos saem correndo para o local do acidente. Jogadores com cara de pavor. “Medico! Medico” gritou um torcedor para o profissional que pensava na vida no canto do vestiário. Isso tudo em um estádio em completo silêncio. Depois de quase 10 minutos, chegou uma ambulância e o jogo recomeçou.
O jogo era bem fraco. Primeiro tempo com poucas chances de gol e muito pegado no meio de campo. A parte de fora do gramado estavam bem mais interessante do que a bola rolando.
A lentidão da partida fez até a hinchada parar de tocar no segundo tempo.
Coube a duas crianças ficarem batendo no bumbo e na caixa, sem ritmo ou canto. Estava se criando ali um novo torcedor.
Apenas xingamentos aos jogadores adversário e aos torcedores rivais eram ouvidos. Impressionante como eles gostam de xingar a mãe alheia.