Era 9 de fevereiro de 2016, o último dia do Carnaval de San Juan Chamula, o “K’in Tajimoltik”, que significa “festa para jogar” ou “festival de jogos”. Aceitei o convite de última hora do meu amigo Tex, um antropólogo tzotzil, originário da comunidade, uma das maiores e mais importantes do Estado de Chiapas, a cerca de 10 km de San Cristóbal de las Casas.
O carnaval é a festa mais tradicional das mulheres e homens da região, celebrado, pontualmente, quatro dias antes da quarta-feira de cinzas. Se unem elementos católicos com os ritos tradicionais da cultura indígena.
Durante as comemorações, visitam-se lugares chamados de calvários. São três os principais: San Pedro, San Sebastian e San Juan. E lá, dividem comida, bebidas, danças e orações. Também fazem a purificação do fogo, onde as pessoas caminham descalças sobre a brasa acesa.
Antes de chegar, o guia que me acompanhava avisou: “não pode tirar fotos, isso é um problema”.
Quando chegamos ao centro do povoado, viam-se muitos homens, em suas maioria, vestidos com roupas tradicionais, forrados de pele de cordeiro branca e preta, lenços vermelhos, huaraches (sandálias tradicionais), calças de malha. Outros vestiam preto e vermelho, e algum cobriam a cabeça com uma tela branca. Muitos estavam com óculos escuros e com fitas das cores verde, amarelo, vermelho e rosa. Alguns com chapéus cônicos com fitas coloritas, chamados de “bats”. Havia som de trombeta por todo os lados.
O ambiente era eletrizante. Programei mina câmera fotográfica e a posicionei como se ela estivesse encostada. Enquadrei e comecei a disparar, sendo o mais discreto possível.
Não se passaram nem 3 minutos no terreno carnavalesco, quando apareceram os touros. E não estavam contidos por cercas de metal como em rodeios clássicos. A única contenção possível era a multidão, disposta em um grande círculo, onde se misturavam homens, mulheres, crianças, velhos, cobrindo toda a esplanada central. No meio e em frente a igreja maior de Chamula, se encontravam uma multidão de pessoas, todos homens, extasiados, com roupas tradicionais, outros com roupas de vaqueiro ou vestimentas modernas. De longe, era possível ver que todos corriam em círculos, parecendo formigas bem organizadas, tentando construir um formigueiro. Não sabiam se corriam atrás do touro ou se o touro que correria atrás deles (ou as duas coisas).
Estava disposto a mostrar que podia me aproximar dos homens e mulheres da comunidade, e assim tirar fotografias. Uma, duas, três fotos, parecia que tudo ia bem. De repente, não eram só os outros que estavam empolgados. Eu mesmo estava. Então apareceu um touro preto, magro, mas que segundo um senhor contava para o neto, no ano anterior havia matado alguém. O touro avançou contra a multidão e lá estava eu. Só tive tempo de me afastar 2 metros para trás, assim evitando uma chifrada. A adrenalina tinha chegado para ficar. O touro corria para o interior do circulo formado pelas pessoas, que tratavam de espantá-lo, e irritá-lo, até que ele saísse de controle e avançava na gente outra vez.
Me dei conta de todo o povoado era a própria arena do jogo com touros. Se eu queria fazer parte do espetáculo, mesmo que como um simples observador, tinha que colocar a mina integridade física em perigo. Isso manteria a adrenalina no máximo.
Como um balde de água fria, a relativa confiança que conquistei se foi. “Sem fotos”, gritou uma voz alta.
Não ignorei o grito de advertência, mas segui adentrando no cenário de êxtase e desenfreado passei por um grupo de jovens do povoado que gritou “Foto pa’l face” (em alusão à rede social). Sem titubear, apontei a câmera disparei em meio a sorrisos e sinais.
Tentei refletir sobre as práticas e costumes nas novas e velhas gerações em festividades e rituais, mas o touro havia dado a volta no círculo, chegando correndo para a multidão a poucos metros de onde eu estava.
Não sei foi o fato dos indígenas que desfrutavam o carnaval perceberem que corríamos o mesmo perigo, que compartilhávamos a mesma adrenalina e êxtase, que fez com que uma lata de cerveja e um par de cigarros chegassem a minha mão. Depois disso gritamos e nos emocionamos juntos.
Já era quase hora de ir embora. Para sair da festividade tivemos que passar do outro lado. O touro estava irritado, sendo espantado com choques elétricos. Corria e, de repente, se lançou bem na minha frente. Ficou me desafiando, me olhando fixamente nos olhos por um segundo, me convidando a sair de seu caminho.
E assim foi.