Desde 2013, quando a reforma da educação foi sancionada pelo presidente mexicano Enrique Peña Nieto, professores de todo o país saem às ruas para reivindicar mudanças e melhores condições de trabalho. Eles também pedem pela revisão e até o fim do programa educacional proposto pela governo.
Em Tuxtla Gutiérrez, no estado de Chiapas, 8 de dezembro de 2015 foi um dia determinante para a luta do magistrado.
Naquele dia, o governo colocou em prática na cidade um dos itens centrais de sua reforma: a avaliação obrigatória para professores. Uma prova para definir promoções, aumento de salários e manutenção de cargos. Desde o início, esta foi uma das mudanças mais questionadas, já que os sindicatos acreditam que o teste é apenas uma maneira de demitir milhares de profissionais por justa causa. O teste foi aplicado na Escuela Nacional de Protección Civil, com a custódia da polícia federal e membros do exército. Mas tudo não passou de uma simulação para os meios de comunicação locais.
Isso porque, enquanto o teste era aplicado, professores e professoras estavam, na verdade, mobilizados contra a reforma. Enfrentamentos entre docentes da Coordenadoria Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE) e forças anti-motim resultaram na morte do professor David Gemayel Ruiz Estudillo. Ele foi atropelado por um dos carros militares e morreu na hora.
A partir desse momento trágico, as manifestações inauguraram um novo ciclo de luta, considerado pelo magistrado como a batalha final, que segue firme até hoje. Enquanto a CNTE durar, ou os professores negociam com o governo novos termos de trabalho ou a reforma educativa vem abaixo.
Somada a revolta dos professores veio a solidariedade e o despertar, não só de pais e mães, que se sentem afetados pela situação, mas também de outros setores como pequenos locatários e empresarios de porte médio, que passaram a contribuir com comida. Durante as últimas manifestações, por todos os lados se via o apoio do povo, que regia com aplausos e vivas, e também oferecendo água aos militantes, para ajudar a suportar a caminhada embaixo de sol e temperatura de 40 graus.
Um exemplo de solidariedade tem sido o Acampamento 25 de maio, instalado no parque central de Tuxtla Gutiérreza, desde 15 de maio, para atender professores feridos após enfrentamentos com forças repressoras do estado mexicano. Já foram atendidos feridos com balas de borracha e pedras lançadas por policiais. Também foram atendidas pessoas com crises nervosas geradas pela constante perseguição policial e a ameaça latente de despejo do acampamento.
O acampamento recebeu materiais de primeiro socorros e medicamentos para fazer atendimentos básicos, além de receber os feridos. Assim, oferecem, diariamente, consultas gratuitas, medem a pressão arterial dos professores e distribuem medicamentos que juntaram graças a solidariedade da população. “Até parece que tem mais medicamentos neste acampamento do que em alguns hospitais e centros de saúde do estado, por isso estamos inconformados, porque o sistema de saúde do estado está colapsado e nós não aguentamos mais”, dizem os líderes do movimento.
As ameaças, a pressão psicológica e os rasantes de helicópteros da proteção civil de Chiapas lançando gás lacrimogênio, são algumas das ações feitas pela polícia federal, exército e polícia estatal contra o movimento. Em um dos dias, a repressão ao acampamento durou cinco horas.
Depois de três dias desse episódio e da solidariedade mostrada por profissionais da saúde ao magistério, o governador de Chiapas, Manuel Velasco Coelho, nomeou um novo secretário de saúde, Francisco Ortega Ferrera, um velho conhecido do sindicalismo e apoiador do atual governador durante sua campanha política. Apesar das ameaças de entrar com processos administrativos contra profissionais que ajudarem o movimento magistral, a categoria segue solidaria aos homens e mulheres do acampamento 25 de maio.
Mais de 80 mil professores e professoras do estado de Chiapas se instalaram no parque central de Tuxtla Gutiérrez em plantão indefinido. Agora, expandiram o movimento a um número enorme de municípios onde realizam mobilizações, bloqueios e greves em escolas, desde a pré-escola até a secundária. Todos respaldados pela coordenadoria estatal, pais, mães e organizações sociais. Uma breve volta pela zona norte de Tuxtla, la Selva, los Altos, basta para ver nas escolas públicas as bandeiras vermelhas e pretas e mantas em solidariedade ao movimento.
Um dos centros de solidariedade encontra-se a 15 km da capital, em Chiapa de Corzo, um povoado histórico e guerreiro. No dia 25 de maio deste ano, depois de uma agressão militar aos professores em Tuxtla, pessoas solidárias ao movimiento foram até a sede da policía federal do povoado, considerado mágico, para protestar contra a violência. Centenas de homens e mulheres fizeram barricadas e receberam gás lacrimogênio e a repressão da policía enquanto gritavam “fora policía federal”.
Os jovens secundaristas também se somaram a luta. Estão no acampamento, realizam brigadas de informação e coletam fundos para a luta. Eles endossam o slogan de revogação da reforma da educação, sabem que o seu futuro e de milhares de jovens está em jogo. Não é raro vê-los em combate nas ruas junto com os professores, lutando contra a polícia, enquanto buscam conter a repressão para diminuir o número de feridos e detidos. Suas armas são rojões e pedras contra a e tirania lançada pelos policías em forma de gás lacrimogênio e balas de borracha.
Nas últimas semanas, vimos o autoritarismo do governo em todos os níveis: gás lacrimogênio, balas de borracha e cassetetes deixaram um saldo de pelo menos 40 feridos contra um movimento com um demanda fundamental: estabelecer uma mesa de diálogo com o governo federal sobre a reforma educativa. A resposta das instituições do governo tem sido a não negociação e o isolamento, mas o grêmio docente não aceita esta resposta e não está disposto a se render.
E com tudo isso, apesar de toda a violência imposta, não se pode perder de vista o principal assunto: o conteúdo desta nova lei chamada de reforma educativa. Foram modificados os artigos 3 e 73 da Constituição para acabar com os direitos dos professores de forma retroativa, ao condicionar sua permanência a uma avaliação com o propósito principal de tirá-los de suas bases e acabar com suas conquistas trabalhistas históricas.
Os professores terão, para exercer a profissão, que ser avaliados por dois anos iniciais, sem contrato, nem leis trabalhistas que amparem seu trabalho. Nesse período, podem ser demitidos livremente, sem que o Estado se responsabilize por seus direitos. Em outras palavras, são empregos pagos por horas, sem direitos, violando todo e qualquer direito trabalhista ainda vigente.
A autonomia de gestão dos Conselhos Escolares de Participação Social (CEPS), responsável pelo sustento e materiais das escolas, também vai mudar. Os conselhos passam a ser integrados pelo diretor da instituição educativa, pelo comité de pais e pela iniciativa privada. Isto faz com que o estado mexicano não se responsabilize por uma de suas obrigações fundamentais: garantir educação básica gratuita a todos os cidadãos do país.
Não tem como fecharmos os olhos para a realidade. Por pelo menos 10 anos desta gestão, a estrutura implementada foi em nível básico. Pais e mães tem recondicionado as instalações, cooperado e distribuído café da manhã nas escolas, limpado os banheiros e pintado os muros porque não existiam empregados. Se organizaram para auto gerir os materiais de infraestrutura básica e cooperar de forma permanente para manter as condições básicas de educação para seus filhos.
Os professores estão buscando o diálogo através dos canais institucionais e estão utilizando os repertórios tradicionais de manifestação como marchas, protestos, bloqueios de avenidas, e com isso estão deixando claro que no México contemporâneo – o México da narco-política, um país que gera leis para eliminar as garantias individuais – não cabem as mínimas inconformidades, nem se quer a de se pronunciar dentro do sistema.
Nos encontramos em meio a um furacão neoliberal onde a mínima mobilização se transforma em um ato transgressor e como tal tratam de contê-la. O que nos resta? Buscar conter o processo de reforma? Tomar o touro pelos chifres e impulsionar uma real autogestão da educação? E portanto, fixar o nosso olhar para cima, não para baixo, com os pais, mães, e jovens que morrem e desaparecem diariamente, com as crianças para as quais negam um futuro.