Por Carlos Ogaz/Agência PLANO
Tamaulipas, fronteira com os Estados Unidos, é um dos estados mexicanos brutalmente atingido pela guerra ao narcotráfico anunciada pelo Governo Federal, no final de 2006, quando Felipe Calderón, do Partido de Ação Nacional (PAN), assumiu a presidência com a promessa de que acabaria com o tráfico de drogas em Michoacán, seu estado natal, e depois em todo o México.
Desde então, Tamaulipas transformou-se em uma região isolada e silenciada por ondas de violência protagonizadas por grupos criminosos com fama mundial como Los Zetas, El Cártel del Golfo e o Cártel del Noroeste, que, diferente da população, conseguiram driblar a intervenção de Felipe Calderón.
Tamaulipas faz parte não só da rota do tráfico de drogas, mas também do tráfico de pessoas, e a disputa pelo controle do território faz aumentar diariamente o número de mortos. Nos últimos 11 anos, foram encontrados no estado mais de 200 corpos em 48 fossas clandestinas. Além disso, Tamaulipas tem a maior taxa de sequestros do país. Segundo o centro de pesquisa mexicano Colegio de La Frontera Norte, os municípios de Victoria e Tampico, ambos em Tamaulipas, registram taxas de sequestro de 23.2 e 21.7 (a cada 100 mil habitantes) respectivamente. Enquanto a taxa do país é de 1.4.
Em 2017, Ciudad Victoria, a capital de Tamaulipas, ocupava o oitavo lugar entre as cidades mais perigosas do mundo, com uma taxa de homicídios de 83.32 a cada 100 mil habitantes, segundo dados do Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal. Em um bairro no centro da capital, as pessoas parecem já acostumadas com a violência: “Todos os dias há pessoas executadas, às vezes temos períodos mais calmos, mas aqui já mataram 20 dos meus vizinhos, as famílias são destruídas, as mulheres ficam sozinhas, os filhos sem pais ou irmãos. É muito triste o que está acontecendo, não existe justiça, só bala e violência”, conta um morador com a condição de permanecer em anonimato.
Tamaulipas é só um exemplo da crise humanitária que o México vive. Mesmo com aumento das mortes e da violência, em 2012, quando assumiu a presidência, Enrique Peña Nieto decidiu aprofundar a estratégia falida de combate ao crime organizado do antecessor Felipe Calderón. A decisão deixou sequelas profundas na população civil: nos últimos 11 anos, 120 mil pessoas foram assassinadas no México e pelo menos 30 mil estão desaparecidas. Entidades da sociedade civil e a própria Organização das Nações Unidas (ONU) confirmam que os números são resultado direto da guerra às drogas.
O Registro Nacional de Pessoas Desaparecidas ou Extraviadas confirma a informação de que 30 mil pessoas estão sendo procuradas no país. Oito em cada dez desses desaparecimentos aconteceu em Tamaulipas (5,563 casos). As outras regiões mais afetadas são: Estado de México (2,984 casos), Jalisco (2,523 casos), Sinaloa (2,385 casos), Nuevo León (2,374 casos), Chihuahua (1,933 casos), Coahuila (1,620 casos), Sonora (1,288 casos), Guerrero (1,155 casos), Puebla (1,080 casos) e Michoacán (1,029 casos).
A violência, extorsão e os sequestros provocaram verdadeiros êxodos da população mexicana. Pedro e Antônia, que por 20 anos tentaram viver na parte rural do estado, tiveram que deixar a própria casa por causa das altas taxas cobradas pelo crime organizado. “Viemos para a cidade (Ciudad Victoria) por que eles controlavam os poucos hectares onde plantávamos laranja para sobreviver. Mas aqui está pior. As pessoas não saem à noite com medo. Um dos meus filhos teve que sair de casa à meia-noite e há dois anos não tenho notícias dele”, conta. Esta história é uma das muitas que se repetem em todo o país, histórias de sequestro e deslocamento.
Em 2011, a consultoria Parametría apontou a existência de 1.648.387 pessoas desabrigadas, vítimas de “deslocamento interno forçado” por causa da violência gerada pela guerra contra o narcotráfico. O Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC) calculou que, no mesmo ano, 115 mil pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas.
O ano de 2016 apresentou a maior cifra de homicídios dolosos nos quatro anos de governo de Enrique Peña Nieto, com o assassinato de 20.858 pessoas segundo estimativas preliminares do Sistema Nacional de Segurança Pública (SNSP), um órgão oficial que contabiliza crimes mensalmente e que é ligado a Secretaria de Governo.
A Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recebeu entre 2007 e 2015 cerca de 10 mil queixas contra autoridades por violações aos direitos humanos. Das instituições federais que enfrentam o narcotráfico, a que mais recebeu reclamações foi a Secretaria de Defesa Nacional (Sedena), seguida da Procuradoria Geral da República (PGR), a Polícia Federal e a Secretaria da Marina (Semar).
Muitas dessas denúncias se devem à morte de civis em meio ao fogo cruzado e a erros cometidos pelos militares, como aconteceu em 25 de março de 2018, no município de Nuevo Laredo, Tamaulipas. Uma mulher de 28 anos e suas duas filhas, de apenas 3 e 5 anos de idade, morreram durante o confronto a tiros entre pistoleiros e elementos da Secretária da Marinha. O acontecimento é negado por órgãos oficiais. Testemunhas e parentes disseram que membros do Semar, de dentro de um helicóptero, atacaram a família com balas enquanto as três caminhavam para casa.
Como se não bastasse, no dia 21 de dezembro de 2017, foi aprovada a Lei de Segurança Interior, rechaçada por sociedade civil e órgãos de direitos humanos nacionais e internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a ONU – que concordam que, deixando as Forças Armadas responsáveis pela segurança pública, corre-se o risco de debilitar ainda mais a proteção aos direitos fundamentais da população.
Pedro Faro Navarro, diretor do Centro de Direitos Humanos Fray Batolomé de Las Casas, uma organização não governamental, afirma que “a lei de segurança interior é uma carta branca à impunidade, que justifica a intervenção dos militares nas ruas sem que eles corram o risco de serem processados”. Segundo o especialista, o grande perigo de uma lei como esta no atual contexto de guerra ao narcotráfico é que ela garante “uma proteção ao exército, permitindo que este faça investigações policiais, espionagens, repressão a movimentos ou expressões que possam ser interpretados como danosos à nação, o que põe em risco, por exemplo, ações sociais por simplesmente expressarem algo sobre a violência que vivem cotidianamente”.
Depois de 11 anos, a realidade e a dor que a população vive no México tornou-se maior que qualquer estatística.